Apresentação

 

 

Quando o céu escureceu... Insanidade ou progresso?

 

 

Percebe-se que muitas pessoas, ainda hoje, insistem em manterem-se presas a ideias há muito ultrapassadas, demonstrando que estamos passando não só por um período de revival, como também por uma idealização perigosa de períodos tenebrosos de nosso passado recente.

Isso está claro na onda extremista que ressurgiu nas tumbas escondidas presentes em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil; quando, o mais estarrecedor, percebemos que certas ideias falaciosas também estão de volta, por mais absurdas que possam parecer: terraplanismo, teocentrismo, patriarcalismo, supremacia racial (como se  houvesse distinção racial entre os seres humanos!), misoginia... sem contar, em nosso país, das ondas de revisionismo histórico, da negação de fatos, do segregacionismo, da negação de direitos conquistados... enfim, tudo que poderia deixar qualquer simpatizante do apartheid mordendo-se de inveja.

Em meio a tantas aberrações repetidas à exaustão e espalhadas por meio da tecnologia do século XXI, pessoas são induzidas a enxergar o mundo com olhos do século XIX, ou de meados do XX, como se tudo o que está ressurgindo fosse real, natural e original. Tais indivíduos não conseguem mais divisar entre realidade e fantasia, eis o grande problema que há anos estamos apontando em relação àqueles que creem dominar e compreender todo o turbilhão imagético que têm diante de si: acreditam compreender tudo, mas não veem nada além da mera servidão e da dominação. Infelizmente, estarão cada vez mais presos aos paramundos construídos pelos argutos presentes em diversos níveis da sociedade; seguindo-os, como a messias libertários, não conseguirão enxergar mais aquilo que o lugar-comum denomina de verdade. Triste é saber, no entanto, que agindo dessa maneira libertarão tão-só a podridão que já se escondia nos porões de suas mentes mórbidas, assim como as ideias daqueles túmulos escondidos.

Isso fica claro quanto ao conceito de progresso que havia, no século XIX, comparado com o do início do XXI. Enquanto no passado, era sinônimo de avanço, desenvolvimento, mesmo que para isso a destruição fizesse parte intrínsica para se construir o novo; percebeu-se, mais recentemente e às duras penas, que destruir não corresponde a avançar, mas a retroceder, já que se leva também à autodestruição. Logo, progresso e destruição não deveriam mais ser considerados sinônimos, pelo contrário.

Assim, se no século XIX a ordem do dia era rasgar matas para se criarem novas plantas fabris ou estradas de ferro sem se importar com as consequências que, porventura, pudessem decorrer - já que o lema era progresso e futuro, rapidez e fumaça -; percebemos, no XX, as nefastas consequências de tais atos impensados.

Quantos lagos na Suécia, Noruega e mesmo nos Estados Unidos estão mortos devido às nefastas consequências das chuvas ácidas advindas das ininterruptas chaminés? Deslumbrantes paisagens, verdadeiros cartões-postais, mortas! Temos um carpe diem às avessas, afinal enquanto a teoria epicurista era a de aproveitar o dia de maneira sensata, buscava-se aproveitar o máximo da terra, do ar e do mar sempre sem se lembrar de que, um dia, todos poderíamos sofrer as consequências de tais usos e abusos.

Quantas civilizações pereceram devido a isso? Não, sequer adiantariam os diversos sacrifícios, inclusive humanos, para aplacar a ira dos deuses diante da hecatombe produzida pelo próprio homem e que exterminaria diversas civilizações ao longo da história.

Como ontem, veem-se surgir novos profetas do caos que instilam ódio e descaso e que são seguidos por seres autômatos e insensíveis a quem pouco importa sejam cometidas atrocidades ao meio ambiente bem como aos homens que nele habitam: eis a efígie do progresso! Tal qual os dantes sacerdotes, logo estes pedirão àqueles, a seus fiéis, que se deixem imolar, ou que imolem seus oponentes, para aplacar a ira dos deuses diante do caos iminente.

São Paulo, 19 de agosto de 2019. Um dia como qualquer outro em que, aos mais avisados, se esperava a chegada de uma frente fria que mudaria o tempo. Veio o vento, nuvens pesadas começaram a cobrir o céu... mas este não ficou preto, começou a ficar marrom. O dia tornou-se noite, a tempestade não chegou logo. Eram 15h, mas se vislumbrava um terrível céu, apocalipticamente marrom, exalando um cheiro estranho no ar!

Não há como não se lembrar do inferno vivido em Bhopal, na Índia, em 1984, quando milhares de pessoas morreram devido a um vazamento de gás da Union Carbide; ou então, de Chernobyl, em 1986, quando da liberação de uma nuvem de radiação após um de seus reatores explodir, contaminando pessoas, animais e plantações, não apenas na antiga URSS, mas em grande parte do hemisfério norte.

Esquece-se de que estamos em uma casa comum, não há como fugir para se proteger! Os corpos petrificados de Pompeia nos alertam para isso, apesar de que, em nosso caso, não é a natureza de per si que nos traz destruição, mas o próprio homem que sofrerá as consequências de suas próprias escolhas.

O céu marrom em São Paulo, naquele 19 de agosto, demorou para se dissipar. Apesar da escuridão que cobriu a cidade, sequer havia trovões que tardaram a ocorrer, ainda mais numa iminente tempestade que só viria bem depois.

Explicações tentaram ser encontradas, algumas diziam que era a poluição da cidade, o encontro de frentes frias vindas dos Andes e da Antártida... mas a cor do céu chamou a atenção: vinha das queimadas da Amazônia! Muitos ridicularizaram tal fato nas redes sociais, assim como muitos haviam feito com o mítico Noé quando da construção de sua arca...

Toneladas de dióxido de carbono lançadas no ar, espalharam-se pelo ar e chegaram até nós, assim como o odor da morte e o clamor da floresta! Só que aqueles que ridicularizaram o fato devem desconhecer o grande rio invisível que abastece o Sudeste com a água da Amazônia, ou que é de lá que se controla a umidade e a temperatura de grande parte de nosso planeta... Esses experts são os mesmos que, provavelmente, neguem que no antigo Saara abundava uma imensa área verde que também desapareceu.

Realmente gostaríamos de que este número pudesse refletir a alegria e a esperança que sempre foram sinônimos da brasilidade, mas o que vislumbramos hoje é aquele céu marrom, triste, cobrindo a luz do sol e escondendo a pulsação  de uma vida nova.

Assim, tendo em vista a questão amazônica, a pesquisadora Aida Lida questiona os aspectos ficcionais, estéticos, literários e históricos ao analisar a crônica “Um Naturalista no Rio Amazonas”, de Henry Bates, quando o naturalista acompanhado de Alfred Wallace chegaram à região, em 1848, para uma expedição na busca de estudos da fauna e flora.

Ainda no campo da Literatura, Ana Claudia da Silva tem por objetivo refletir sobre a posição conflituosa de obras da atualidade que têm por objetivo resgatar, de algum modo, a cultura e a literatura greco-romana. Contudo, ainda que, por vezes, as referências ao clássico não seja diretamente sinalizadas na produção, tanto cinematográfica, quanto na literária, elas podem ser percebidas e trazidas para o centro da reflexão sobre a permanência da antiguidade clássica no mercado.

A professora Eliane Aparecida de Aguiar nos brinda com um ensaio que propõe uma reflexão sobre leitura, escrita e aprendizagem, atravessadas pelas questões do afeto e do desejo no contexto da formação de professores. Considerando que a leitura e a escrita são construções que demandam trabalho e necessitam do testemunho alheio, ou seja, do outro que legitima o sujeito. Assim, a aprendizagem só se torna possível como uma experiência singular e intransferível: não se pode aprender pelo outro, nem se pode ensinar o outro sem que o professor se constitua como sujeito pela aprendizagem.

Já os pesquisadores Emanuele M. de Freitas e Rafael José dos Santos, tomando como referência a obra Sundjata, ou a epopeia mandinga, discutem o estatuto literário das narrativas orais dos griôs mandingas a partir das noções de performance e vocalidade, assim como as reelaborações criativas da oralidade em três manifestações de formas expressivas contemporâneas.

Em relação à questão imagética, temos o pesquisador Fábio Barbosa da Silva que nos mostra como a obra da pintora contemporânea, Yoko Nishio, nos coloca em frente a pinturas que exploram a imagem de modelos de forma peculiar. Seus quadros retratam figuras com a identidade rasurada, por meio da bloqueio da identidade das pessoas figuradas, tema recorrente em duas séries da artista, Praesidium (2016/2017) e Enquadramentos de Bertillon (2018) que retrata modelos de frente e de perfil aos moldes do que foi proposto por Alphonse Bertillon na França século XIX como forma de fichamento dos criminosos da época.

Refletindo acerca da sétima arte, a professora Ana Lígia Leite e Aguiar busca analisar a trajetória do cineasta brasileiro Glauber Rocha, priorizando a leitura dos episódios polêmicos nos quais se envolveu na década de 1970. Ao optar por um exercício constante de autocrítica que se dá na arena pública, o cineasta redireciona sua produção cinematográfica, assumindo posições estéticas/políticas que o distanciarão da valorização de sua obra pela crítica.

As musicistas Fabíola de Oliveira Fernandes Pinheiro e Mariana Borges Silva Menezes, por sua vez, nos mostram como convicções pessoais dos compositores são, muitas vezes, passíveis de serem identificadas em suas obras. Ambas buscam contribuir para o aprofundamento e consolidação de pesquisas do repertório de música de concerto com referências religiosas, em especial, católicas.

Já o pesquisador Edney Firmino Abrantes aborda a questão do impeachment de Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores (PT), no ano de 2014, bem como do conflito de narrativas políticas em torno do fato. O embate se dá entre os narradores que sustentam a versão de um golpe parlamentar e outros que contradizem esse argumento com a sustentação de um processo legal e fundamentado, ocorrido no Congresso Nacional. 

O professor Jack Brandão procura, em seu ensaio, traçar um panorama do século XVII durante a Guerra do Trinta Anos, cujo palco foi o Sacro Império Romano Germânico; quando, concomitante aos conflitos religiosos sangrentos, a Europa conheceu o significado das crises econômicas que se abateram no continente nesse momento de transição para o surgimento do Estado moderno.

Por fim, a jornalista Mariana Mascarenhas nos brinda com uma instigante entrevista: a da artista plástica e iconógrafa cearense, Maria Fonseca. Mais do que traçar sua trajetória, teremos uma verdadeira aula sobre o universo iconográfico religioso, bem como sobre os desafios desse trabalho e de sua divulgação por todo o Brasil.

 

Assim, esperamos que dias melhores cubram a educação e a pesquisa brasileiras, dissipando para longe da Pátria as névoas agourentes que as cobrem.

 

Saudações acadêmicas!

 

Prof. Dr. Antônio Jackson de Souza Brandão

                                 Editor