Apresentação

 

 

Frente a frente com o caos

 

 

Por pior que fossem as expectativas em relação ao governo que se instalou no Palácio do Planalto, estamos sendo assolados por barbáries atrás de barbáries – destruição da Amazônia, dizimação de povos indígenas a começar por seus líderes, destruição das conquistas sociais que demandaram muita luta e sofrimento, aniquilamento das relações trabalhistas com sua total flexibilização, extinção de certas categorias, enquanto outras são levadas à semiescravidão, sucateamento dos bens públicos... –, sem contar com algo bem pior: a aproximação de uma verdadeira hecatombe em solo brasileiro, como não se via desde a epidemia de gripe espanhola, ainda na primeira década do século XX que, segundo estimativas, ceifou 35 mil pessoas no país e mais de 50 milhões no mundo inteiro.

Diante desse caos iminente, presenciamos um embate entre médicos, sanitaristas e pesquisadores que se mostram apreensivos com as devastadoras consequências da pandemia que se espalha em território brasileiro , e membros do governo, bem como por seus apoiadores, que procuram minimizar seus efeitos e sua letalidade e propagam falsas imagens a seu respeito; tendo, inclusive, o presidente como garoto propaganda.

Percebemos, mais uma vez, a relação de poder existente entre as imagens e as pessoas que delas fazem emprego, seja para o bem, seja para o mal. Muitas dessas aproveitam-se do acesso quase universal das mídias sociais, empregadas à exaustão, para criar uma pseudo-ordem natural por meio de fake news.

Erraram aqueles que acreditaram que tais notícias falsas ficariam restritas apenas à campanha eleitoral do pleito que elegeu o atual presidente da República; pois, pelo que temos visto, se tornaram o carro chefe desse (des)governo...

Fatos, portanto, deixam de sê-lo e passam a ser tratados como aforismos jogados e relativizados do dia a dia, verdadeiras conversas de botequim em que qualquer informação passa a ser empregada como se fosse verdadeira. Esquece-se, porém, de que tais verdades devem restringir-se apenas àqueles momentos de descontração, visto que em pouco tempo serão esquecidas e passarão, assim como a sensação de euforia, tristeza ou letargia que representam e surgem quando se busca esquecer de seus  próprios problemas ou os do mundo.

Triste realidade em que nos encontramos...

Como é possível a total relativização da morte de milhares de pessoas – cuja grande maioria é de pobres e de idosos – diante da iminente epidemia que já assolara outras regiões do mundo, sem ao menos se preparar para sua chegada? Como é possível fazer com que se busque desacreditar nos fatos, ao se afirmar que tudo não passa de fábula ou de encenação, levando o gado, que acreditava na salvação, ao abate? Que tamanha perversidade é levar o rebanho aos banhos coletivos, mas no lugar de água, lançar-lhe gás mortífero!

Para se evitar essa e outras mazelas relativas à questão imagética que, há onze anos, Lumen et Virtus, por meio do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS, procura demonstrar o poder da imagem em criar paramundos, a fim de que as pessoas possam olhar para ela com respeito, conhecendo o poder que delas emana, de modo especial por aqueles que sabem empregá-las para seu bel prazer, sem se importar com a vida do outro...

 

Apresentamos, nesse sentido, diversos artigos que possam nos ajudar não só a esclarecer tal cenário, como também a ampliar nossa percepção de mundo e de cultura, conforme proposta original de Lumen et Virtus.

Assim, temos o artigo de Edney Abrantes em que nos apresenta, exatamente, a análise da conturbada eleição presidencial do ano de 2018, tendo como pano de fundo a análise da imagem do polêmico kit gay e de seu impacto no público-alvo eleitor, que resultou na polarização política e imagética dos concorrentes na campanha eleitoral do segundo turno, entre Fernando Haddad (PT) e Jair Messias Bolsonaro (PSL). O pesquisador procura demonstrar como a construção e a desconstrução das imagens foram influenciadas pelos meios e técnicas de produção e reprodução massiva nas redes sociais, em especial twitter e facebook.

 Ainda quanto à questão da imagem, Jack Brandão em um de seus textos emblemáticos, agora em língua inglesa, propõe-nos uma nova abordagem da leitura de textos de períodos extemporâneos. Para isso, segundo o pesquisador, fez-se necessário criar um novo termo que correspondesse a essa expectativa: a iconofotologia. Para que um leitor contemporâneo pudesse ler e compreender textos retóricos dos séculos XVI, XVII e XVIII, teria de ter acesso a chaves sígnicas a que somente seus leitores tinham acesso: as iconologias. No entanto, como esse referencial se perdeu, deve ser substituído por um outro, a partir do acervo imagético-fotográfico de que se dispõe hoje e que o autor chama de iconofotológico.

Já Vanessa da Silva Alves propõe uma análise dos recursos que caracterizam a linguagem das histórias em quadrinhos, isto é, os elementos gráficos presentes nas HQs que compõem o gênero. Para isso, remonta ao surgimento das narrativas sequenciais para, posteriormente, observar que muitos aspectos empregados nessas formas incipientes de comunicação, apesar de sofrerem modificações ao longo do tempo, colaboram, ainda, para preservar o caráter narrativo das imagens sequenciais quadrinizadas.

Adentrando no campo literário, temos Cristina Reis Maia que discutirá a construção de narrativas intermidiáticas, tomando como exemplo o romance histórico O retrato do rei, de Ana Miranda. Nesse processo, temos a reprodução do contexto por meio de descrições metapicturais de iconotextos conhecidos, suprindo-se as lacunas da história por meio da metaficção historiográfica. Tal mecanismo viabiliza a (re)contação da história e a ressignificação do cotidiano, apresentando possibilidades outras sobre a realidade que não, necessariamente, a instituída. Atravessadas por um novo olhar, estas versões permitem visibilizar com mais clareza as representações sociais emergidas e as transformações ocorridas ao longo do tempo, assim como uma eventual recorrência de situações nos dias atuais.

Patrícia Pinheiro Menegon e David Marques Serra, ao abordarem os contos de fadas que temos hoje, demonstram que datam do século XIX e são responsáveis pela dita invenção da infância que temos hoje. Estes foram permeados pela criação de uma psicologia infantil que daria origem à psicanálise. O trabalho das pesquisadoras tem como objeto de estudo o conto "Rumpelstiltskin" dos Irmãos Grimm, em que buscam demonstrar a presença de influências mitológicas no processo de criação da obra, analisá-la à luz das relações de poder, bem como pontuar a ideia de infância trazida por alguns autores. Verifica-se a permissividade que o gênero fantástico dá à construção e adoção de elementos mitológicos e de que forma isso está presente no conto, analisando-se como a utilização da chantagem em determinadas situações de contato social pode afetar, diretamente, o equilíbrio de poder estabelecido entre indivíduos.

Por sua vez, as pesquisadoras Aldenora Márcia Pinheiro Carvalho e Débora Furtado Moraes têm como objetivo analisar, por meio de pesquisa bibliográfica, os aspectos da empatia e tomada de perspectiva na personagem Bilbo Bolseiro, protagonista de O Hobbit, de J. R. R Tolkien, em seu confronto com a criatura Gollum, analisando tal acontecimento como uma representação dos dilemas vividos no relacionamento entre o indivíduo e seus pares.

Marcélia Guimarães Paiva apresenta-nos dois conjuntos de sonetos iluminogravados editados por Ariano Suassuna em 1980 e 1985 respectivamente. Essas iluminogravuras são dispostas em pranchas soltas e acondicionadas em uma caixa de madeira, onde se observa o diálogo entre as artes plásticas e a escrita, e a valorização da arte medieval da iluminura e da arte nordestina da xilogravura.

Já as pesquisadoras Josilene Pinheiro-Mariz e Paula de Sousa Costa nos apresentam a questão do ensino de línguas no Brasil, onde parece ter havido um hiato entre as duas principais bases do campo das Letras: língua e literatura. Buscam discutir a importância de se lerem obras literárias no âmbito do ensino de uma língua, mesmo no ensino básico. Os resultados analisados são fruto de uma ação de leitura em língua inglesa do romance Americanah, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie em uma turma de terceiro ano do Ensino Médio de uma escola pública.

Por fim, a jornalista Mariana da Cruz Mascarenhas analisa como a inclusão social é retratada pela mídia, demonstrando que, diversas vezas, simplesmente reforça não só preconceitos e estereótipos, como também  apresenta pessoas com deficiência não por sua individualidade humana, mas apenas por sua condição de diferente. Ao analisar algumas reportagens, a pesquisadora constata como a mídia constrói imagens distintas do real, que induzem o público tão-só a sentir pena dessas pessoas, não a enxergá-las como indivíduos capacitados para serem protagonistas de sua vida. .

Esperemos, mais uma vez, que também nós estejamos errados e que as trevas que enxergamos sobre a Nação Brasileira, transformem-se em luz radiante de paz e de prosperidade!

 

Saudações acadêmicas!

 

Prof. Dr. Antônio Jackson de Souza Brandão

                                 Editor