Apresentação

 

 

A arte sempre resiste às intempéries!

 

 

Mais um ano termina e com ele sempre chega o momento de se perguntar sobre suas conquistas, seus dissabores e suas esperanças; vividas, sentidas e concretizadas (ou não!), ao longo desses mais de 365 dias!

 Infelizmente, como muitos já haviam previsto, este ano foi o prenúncio de extremas dificuldades a serem enfrentadas pelo povo brasileiro que ainda não tem noção do rolo compressor que passou por sobre seus direitos, conquistados a suor e sangue por nossos pretéritos!

Em breve, porém, a população sentirá, na própria carne, os dissabores de um governo que pouco se importa com  a maioria, debochando de sua penúria, que dirá de tudo aquilo que se refere à arte, à cultura e à educação, pilares primordiais em qualquer sociedade!

Conforme aventamos aqui, a desconstrução imagética de tudo o que havia sido construído ao longo dos governos anteriores ao golpe de 2016 foi tamanha que muitos, mesmo em um estado aquém daquele que vivia no período anterior, finge acreditar que esteja melhor, afinal “o partido mais corrupto do mundo caiu”, “o presidente ladrão foi para a cadeia”, “a presidenta bandida foi escorraçada”...

Velames imagéticos foram inseridos em parte da população a ponto de não conseguir enxergar nada além daquilo que os promotores de fakes news, pagos a preço de ouro, espalharam e continuam a espalhar contra seus detratores e a favor de seus pares!

Pouco a pouco, assistimos à ruína dos pilares democráticos e das conquistas sociais por meio de pessoas ineptas que, como títeres, são postas para ocupar cargos para os quais não têm nenhum preparo, não apenas para servir de circo para seus mandantes, como também para levar o país a amargar uma desnecessária vergonha internacional!

É estarrecedor vislumbrar Weimar cem anos depois, de modo especial porque vimos seu resultado décadas depois; no entanto, o mais surpreendente é a cegueira social a que muitos se imputaram: não há destruição da Amazônia, não há aquecimento global, as vacinas são propagadoras de enfermidades, a Terra é plana... Um desserviço de alguns espertalhões que levam incautos às trevas da ignorância total...

A que ponto chegamos!

O tempo, porém, não para, por isso nos resta apegar-nos à arte, pois será ela que nos mostrará os equívocos para o bem ou para o mal. Não à toa, todos os filhotes da tirania buscam destruí-la, minimizam sua importância, desprezam seus alertas,  minimizam seus resultados.

 

Assim, é com uma imensa satisfação que temos, neste número de Lumen et Virtus, uma entrevista exclusiva com o artista plástico Flávio Tavares, um dos mais renomados artistas vivos no Brasil, conhecido tanto em nosso país, quanto no exterior, tanto pela qualidade de sua obra, como pelo poder das imagens que evoca.

Como não se deixar impressionar por seu Brasil, o golpe: a ópera do fim do mundo, de 2018, quadro em que denuncia a armação do Golpe de 2016 que alijou Dilma Rousseff do poder? Tela de grande impacto cênico em que se mesclam diversos empregos iconográficos e iconológicos, sem contar com o jogo da temporalidade ali presente.

Que dizer de No Reinado do Sol, de 2008, ou da grandeza da série Circo Voador em bico de pena? Enquanto vemos, nestes tempos sombrios, a misoginia à solta, Tavares faz questão de dar grande destaque à figura feminina, demonstrando a importância da mulher para a sociedade nordestina!

 

 Exatamente a imagem da mulher no imaginário social será abordada pelos pesquisadores Daniella Butler e Jessé Pires que demonstrarão que o fato de ela ser carregada de estereótipos e simbolismos, cria uma relação de poder no binarismo de delicadeza, submissão, afazeres domésticos, função docente versus brutalidade, rebeldia, espaço público. Ambos buscam nesse artigo um olhar crítico sobre a função da escola como locus de desconstrução da leitura da mulher, uma vez que essa causa violência simbólica e como uma possível prática pedagógica, bem como a análise discursiva de livros e filmes que ora reafirmam ora desconstroem essa imagem.

Para se compreender melhor como se constroem e se descontroem imagens, de modo especial a fotográfica, a pesquisadora Annateresa Fabris demonstra, como desde seus primórdios ainda no século XIX, existia a prática de combinar fotografias ou negativos fotográficos, tanto num contexto profissional, quanto num meio amador. Livros dedicados às recreações e aos truques fotográficos ensinavam a manipular imagens e negativos para conseguir duplas exposições, fotografias espíritas, cartões-postais engraçados, retratos sem cabeça, entre outros.

O professor Caio Leal Messias, por sua vez, revisita a famosa discussão sobre o papel dos impulsos na criação artística. Para tanto, apresenta, brevemente, o debate romântico e filosófico sobre a tragédia grega no século XIX. O modo como este debate é retomado por Nietzsche em seus textos de juventude, ao apontar pontos de contato entre o apolíneo e o dionisíaco, bem como o papel do inconsciente na criação artística segundo a psicanálise. 

No campo literário, José Osmar de Melo procura demonstrar, mediante a análise das vozes narrativas, que existem dois planos de discurso em O guarani: o do enunciado e o da enunciação. No primeiro, o narrador tenta valorizar o congraçamento entre o português e o indígena, para construir o mito do surgimento do povo brasileiro. No segundo, procura demonstrar que a narrativa de Alencar oculta outro discurso que, por sua vez, anula a voz do indígena, ao fazer valer, na voz das personagens portuguesas que representam o colonizador o preconceito no que diz respeito ao universo simbólico do nativo, por meio da negação de sua língua, religião, costumes, comportamento, dentre outros valores culturais. Isso porque o indígena, na perspectiva do colonizador, não é um ser humano, mas um não-ser que precisa, portanto, aprender a falar a língua do civilizado e a se comportar em conformidade com o cânone cultural europeu. Assim, pode-se observar, por meio da análise literária do romance, que o discurso camuflado do narrador de José de Alencar valoriza nitidamente a cultura eurocêntrica (do colonizador) em detrimento da cultura do nativo (do colonizado).

Ana Lúcia Novroth, fundamentada nas bases teóricas de Gerard Genette, examina os processos de adaptação de Morte e vida severina: auto de Natal pernambucano (1955), de João Cabral de Melo Neto, para as obras homônimas do cartunista Miguel Falcão e do cineasta Afonso Serpa. Do primeiro criador se analisa uma graphic novel; do segundo, uma animação. Neste trabalho, perceber-se-á a maneira como os textos dialogam entre si e que efeitos de sentido poderiam ser apreendidos das escolhas feitas nas releituras do poema dramático.

Já o pesquisador Valdemar Valente Júnior tem por objetivo desenvolver uma análise acerca da criação poética pré-modernista a partir da obra de Juó Bananére, pseudônimo de Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, autor de La divina encrenca, cuja poesia concorre para trazer à luz o que se chamou de dialeto macarrônico, em vista da presença maciça de imigrantes italianos em São Paulo. Por conta da importação de mão de obra excedente da Europa, a chegada à cidade desse contingente determina o estreitamento de relações de trabalho e afetividade que interferem como elemento criador de um viés específico da fala ítalo-brasileira. 

Vanessa Pansani Viana tece considerações sobre a formação do sujeito e do discurso pensados da perspectiva teórica de Foucault; ao trazer, na primeira parte de seu texto, uma breve introdução de sua teoria, perpassando pela revisitação que o filósofo faz ao retomar a teoria do pensamento de Kant e, evidenciar, a partir daí, qual é a sua postura em relação à filosofia moderna. Buscará abordar também o olhar foucaultiano sobre a psicanálise e a etnologia em direção à constituição do sujeito e do discurso. Já na segunda, analisará o poema “Não sei quantas almas tenho”, de Fernando Pessoa, à luz do olhar foucaultiano acerca do sujeito e construção do discurso.

Gabriel dos Santos Lima, por sua vez, busca identificar e interpretar a presença da ditadura militar brasileira no romance Leite Derramado, de Chico Buarque. Para tal, enfoca as passagens da narrativa em que o período é trazido à tona, dedicando-se também a analisar aspectos-chave da obra, como sua forma de memória, sua estrutura fragmentária, a posição de sua voz narrativa e a constituição de seu enredo. Assim,  partindo da comparação com outros romances importantes da tradição literária brasileira, procura-se demonstrar como Leite Derramado vincula o narrador-protagonista Eulálio, sua família e a própria ditadura, a um certo tipo de violência patriarcal e escravocrata que permeia nossa sociedade desde suas origens coloniais.

Lajosy Silva pretende analisar duas encenações de Bent, de Martin Sherman, que ocorreram em 1981 e 2006 no Brasil. Essas encenações sugerem o quanto diferiam as questões relacionadas à política sobre diversidade durante a ditadura militar (1981) e o pós-ditadura (2006), de modo especial quanto a sua recepção.

Jorge Tenório Fernando busca em seu texto investigar algumas relações entre o eu e o outro em distintas manifestações da cultura brasileira, fazendo uso do arcabouço teórico de Edward Said e de outros pensadores, em sua maioria brasileiros. Entende-se que os conceitos elencados por Said – como a dicotomia entre centro e periferia – guardam semelhanças com os demais autores em sua temática e afiliação; logo, podem jogar luz sobre questões relevantes de como ocorre a representação do outro, por meio da arte, em variados segmentos da sociedade brasileira ao longo de sua história.

Já a pesquisadora Maria de Fátima Furtado Baú apresenta-nos como a rede social Facebook pode contribuir com a leitura e a produção textual nas aulas de Língua Portuguesa. Nesse sentido, relata o uso da rede social como suporte virtual num projeto de leitura e produção de textos do gênero artigo de opinião. 

Por fim temos as pesquisadoras Dilma Rocha Juliano e Adriana Edral que tomam como uma de suas preocupações os efeitos da produção audiovisual sobre as sociedades, considerando a industrialização da produção e questionando, principalmente, as consequências da maquinação na formação das subjetividades dos espectadores, pelo menos desde os enunciados da “indústria cultural” feitos por Adorno e Horkeheimer. Esse ensaio tem como proposta apontar no filme Matrix (1999) e no episódio “15 Million Merits”, de Black Mirror (2013), diferentes perspectivas críticas aos moldes da produção cultural, pensando principalmente no papel das personagens Bing e Neo, que se rebelam contra ilusões redentoras da sociedade que a própria cultura industrializada vem, historicamente, expondo à venda. 

 

Esperemos que surjam novos auspícios no Ano Novo que se apresenta que possam dissipar as trevas que se abatem sobre a Nação Brasileira!

 

Saudações acadêmicas!

 

Prof. Dr. Antônio Jackson de Souza Brandão

                                 Editor